A música de Gonzaguinha indaga-nos sobre o que é a vida, mas aqui em casa a pergunta é outra. O que é a morte?
É engraçado um tema como esse num blog sobre criança. Geralmente esperam-se assuntos mais suaves, mas Pedro confrontou-nos com o tabu da morte cedo demais e tivemos que lidar com ele.
Aos dois anos Pedrinho percebeu que nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. E não gostou disso. Decidiu, então, que não queria mais crescer. E passou o segundo ano de sua vida nessa espécie de síndrome de Peter Pan.
Aos três queria saber se há meios de não morrer, de se escapar do ciclo vida-morte. Queria saber o que os cientistas já conheciam sobre o assunto e afirmava que inventaria uma forma do homem ser imortal.
Suas perguntas sempre me angustiaram um pouco. Na verdade a angústia era mais por achar que ele era novo demais para viver este conflito do que por temer a própria morte.
Pedrinho já tinha quase quatro anos quando Brutus, o nosso cachorro, morreu. Só que nessa história houve um erro. Brutus não morava conosco, mas na casa de praia e, nesse dia, estávamos lá. O erro foi não termos deixado Pedro perceber que o Brutinhos, que estava tão dodói naquele dia, morreu. Distraímos Pedro e retiramos o cachorro de casa. Explicamos o que tinha acontecido mas Pedro não viu Brutus, não chorou, não velou, não enterrou... E após esse episódio Pedro viveu um luto sem corpo, um luto difícil porque não traz em si o conforto da última despedida. Arrependi-me profundamente de ter privado meu filho de viver a experiência da separação, da morte.
Brutus tinha uma irmã, a Mocinha. E Mocinha morreu tempos depois do irmão. Desde a morte de Brutus começamos a preparar Pedro para separar-se de Mocinha: conversávamos que ela já estava velhinha, depois que estava doente, muito doente, até que chegou o dia em que informamos Pedro de que Mocinha tinha ido para o hospital. E foi mesmo. Só que para Mocinha só restava uma opção: o sacrifício. Não falamos sobre o sacrifício para ele. O que Pedro sabia é que a cachorra estava no hospital e cada vez que íamos à casa de praia questionava que ela estava demorando a voltar e eu confirmava que sim e explicava que isso estava acontecendo porque Mocinha estava muito doente.
Até que um dia Pedro deduziu:
"Ninguém fica tanto tempo assim no hospital. A Mocinha morreu também ."
Após sua fala ficamos em silêncio, abraçados, relembrando a alegria dos cachorrinhos no quintal.
Aos quatro anos os questionamentos sobre Deus, alma, evolução, reencarnação, vida em outros planetas era constante.
Hoje, aos cinco, Pedro tem pensado muito sobre a morte, a evolução geológica e antropológica, bem como sobre a vida em outros planetas. E isso o deixa inquieto. Nas horas de angústia sugiro que desenhe. Em uma das vezes desenhou uma série sobre evolução:
Época dos Dinossauros |
Época dos Índios |
Época dos Castelos |
Época atual (essa é a ladeira em que moramos) |
O Futuro |
Foi por esses dias também que perguntou:
"Mãe, os filhos podem ter religião diferente da dos pais? É que as coisas que aprendi até agora não estão me fazendo feliz."
Esse texto não é conclusivo, só relata os enfrentamentos que temos vivido aqui em casa. E enquanto Pedrinho não se sentir confortável diante da certeza de que vamos morrer; a morte, que já deixou de ser tabu aqui em casa faz tempo, visitará este blog porque visita o meu coração.
Quanta sensibilidade em seu texto e nos questionamentos do Pedro. Aqui em casa também é assunto constante e por isso já não angustia tanto, acho que porque falamos, expomos nossos medos e opiniões. Deixou de ser tabu, embora difícil.
ResponderExcluirgostei especialmente da pergunta final do Pedro. Bom dia! Beijo
É Ana, sei que a sensiblidade também mora aí na sua casa. Beijos!
ResponderExcluirAgora ficou legal para ler tudo. Parabens.
ResponderExcluirHoje vivemos a morte de um tio, como trato do assunto com bastante tranquilidade, até comentei com meu marido se deveríamos falar com eles, novamente subestimando a capacidade de entendimento das cçs, apenas perguntaram a idade e se não tinham se cuidado o suficiente. Comento que nosso corpo é algo que devemos cuidar, da mesma forma que cuidados de uma planta, quando isso não acontece, ou para mais ou para menos, a planta morre...E não é que o assunto foi esquecido, fiquei bastante surpresa...
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