quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Refletindo sobre a acessibilidade das crianças aos museus

O post de hoje foi retirado do blog 'Repensando Museus' da Psicopedagoga Maria Isabel Leite, blog que recomendo para todos os papais e mamães de crianças cientistas. O texto é uma reflexão sobre a acessibilidade ( ou não) das crianças aos museus e sobre o impacto da acessibilidade na experiência museal por parte das crianças.

"Começo a provocar o tema criança x museu copiando um parágrafo de um texto meu datado de 2005, quando fiz uma fala em Vitória/ES, durante o II Simpósio de Educação Infantil/ XIX Reunião Nacional do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB). Intitulado “Educação Estética e Infância”, o artigo foi publicado no “Cadernos de Pesquisa em Educação” (v.11, no. 22, jul/dez 2005, p.94-106), do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 

Eu narrei a seguinte história:

“Um menino, com cerca de 4 anos, foi a uma exposição de arte acompanhado de um grupo de adultos: pais, avós e tias. Depois de contemplar toda a mostra, foi-lhe perguntado do que mais havia gostado. “Do leão”, ele respondeu. Não se lembrando de ter visto nenhum leão, a avó retoma toda a exposição – desta vez, procurando sair da cômoda posição de seu olhar adulto e buscando entrar no olhar dele, com sua altura, seu repertório... A primeira constatação foi imediata e diz respeito à acessibilidade que destaquei anteriormente: o menino passeava sob os quadros e via apenas paredes brancas intermináveis. Pego, então, no colo, pode refazer o percurso e foi olhando as obras, uma por uma. Ele apontava, comentava, reclamava, exclamava, imitava, ria – sempre estabelecendo relações com coisas anteriormente vistas/vividas; fazendo indagações e associações de ideias. De repente, “o leão”. O quadro era grande e terminava rente ao chão. Na parte inferior, um enorme urso pardo com a boca arreganhada e dentes a mostra, pelos arrepiados assemelhando-se a uma juba. Derrotado, estirado no chão, sustentava o pé de seu vitorioso caçador. O urso-leão foi a única figura que o menino havia visto quando estava caminhando pela primeira vez naquele museu – um urso-pintado que, acionando imagens outras presentes em seu acervo de menino-de-4-anos, transforma-se em leão-imaginado” (p.98-99).

Os museus foram historicamente pensados pelos e para os adultos. Em sua trajetória de existência, passaram de locais marcadamente elitizados para consubstanciarem-se conceitualmente, hoje, como espaços de transformação social – mas inegavelmente ainda têm muito a percorrer nesta direção. Como querer defender a ideia de museu para todos, ou de plena democratização dos espaços museais se nem mesmo a altura das obras possibilita a apropriação por parte de crianças e até de cadeirantes? Não é a falta de interatividade do acervo que afasta o interesse infantil – mas as condições de apropriação oferecidas às meninas e meninos visitantes. A questão da altura é apenas um dos tantos obstáculos a serem enfrentados. A reboque deles, tem-se a questão da linguagem, os guardas, as legendas, a ação educativa... De que maneira podemos repensar tudo isso?




“Com essa mesma idade [aproximadamente 4 anos], uma menina foi a outro museu com sua família e, como narrado anteriormente, teve todos os quadros fora do alcance do seu olhar. Esta exposição estava, inclusive, particularmente cheia, fazendo com que sua visão fosse não de paredes brancas, mas de inúmeras pernas, coloridas, grossas e finas, compridas ou curtas, cobertas de calças ou expostas pelas saias... – todas desfilando vagarosamente ante seu olhar. De repente, as bailarinas de Degas. No chão, dentro de uma redoma de vidro, uma delas era exatamente do tamanho da menina, que parou, olhou e começou, lentamente, a fazer todas as posições das bailarinas, uma a uma. Olhar não bastava. Seu corpo, em sua expressão, foi acionado num diálogo que se fazia presente em seu processo de apropriação” (p.99).A criança se utiliza de diferentes canais de apropriação – e os sentidos são os principais. Mas não foi suficiente, para a menina citada na história, ver a obra e refletir individual e silenciosamente sobre ela. Vygotsky há tempos já nos dizia: a linguagem organiza o pensamento. Portanto, não se pode esperar que as crianças “apenas” vejam, imóveis, e elaborem seus pensamentos individualmente e em silêncio. A linguagem é coletiva; é na troca com o outro que dou significação ao visto/vivido; e a linguagem corporal é uma das mais fortes expressões infantis. Portanto, para além da questão da visualidade do acervo, aqui já começa a se esboçar outro desafio para aquele museu que se dispõe a receber as crianças pequenas: não se pode esperar um grupo silencioso e contido fisicamente. Então, como planejar a mediação num museu levando em conta essa maneira característica de apropriação infantil?"


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